sábado, 20 de julho de 2013 12 comentários

A estrutura do dia




A tarde ensaia um sol,
enquanto
se despede de um distante
refrão de chuva.
Uma festa
de terra molhada me flui
pelos dedos.
Viajo pelos novos aromas
como ave migratória.

... Decifrando as cicatrizes
deixadas pela correnteza.

terça-feira, 16 de julho de 2013 22 comentários

Da velha história


Ocorre que estou cansado de ter medo.
Medo
que me deixa
em constante vigilância,
à espera de alguma palavra
ou gesto: uma agressão.
Ocorre também
que o amor sozinho
não sustenta,
não salva.
Mas me atenho ao amor,
ao que me resta dele.
Esse arrebatamento
de músculos e promessas.
Essas juras tolas.
Ocorre,
e isso parece resumir tudo,
que estou cansado demais,
mesmo para ser amado.


quarta-feira, 10 de julho de 2013 14 comentários

Ulisses



Estou sempre em regresso,
na recíproca da gravidade
no chão que se ergue
para o pouso do pé.
Cada movimento
é uma odisseia de volta,
dentro da qual sou
conduzido por vetores rivais,
arrasto e repulsa,
em errância por veredas
contraditórias dentro de mim.

Há esse desassossego sem âncora
: se me estaciono,
deixo um poder de passos no imóvel,
pois em hipótese alguma
devo abandonar a andança
por falta de caminho.

Se você me perceber
na quietude de um instante,
saiba que o que vê é uma fotografia,
eu nunca sou sereno assim,
meu deslocamento é constante
e essa é a verdade,
a verdade dos perímetros cambiantes.

Ou talvez não
a verdade inteira, apenas
a distância que se ajusta a mim
: na ambulação de todas as lonjuras
está a minha jornada de retorno para casa.


terça-feira, 2 de julho de 2013 10 comentários

Bancando Dali


Vou desenhar você em uma voluta árabe,
um sinete de dervixe,
minudências descomedidas se alastrando
da paleta para a flor da tela,
faminta por sua emergência
em forma e cor. Dos traços
rápidos para a delicadeza
filigranada do que se compõe,
definida pelo contorno
que minhas mãos captam,
clandestinos detalhes no mistério
de seu rosto acodem às cerdas do pincel
: uma beleza feito brasa
que queima seu tecido delicioso
no dentro do quadro.

Eu giro trôpego na órbita de seus olhos
                                             (transgrido as leis da gravidade)
e faço suas sobrancelhas
crescerem em arcos nítidos,
entradas para espelhos castanhos,
dispersos em oceanos de lágrimas.

Você assiste de esguelha
todo laivo e borrão que tracejo,
testemunha da configuração
de meu alento, a boca em V,
num veredito iminente,
a julgar minha febre de cores
na pressa de pegar o essencial de sua imagem.

Todavia, você,
ilustrada, sabe.
Não é você                       ali, 

                                             é o coração.

 
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