quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013 10 comentários

Quebranto

)
À Soneide Caetano
(

A distância entre os corpos nossos 
não sentencia, apenas insinua
o afastamento.
A solidão não se ergue, simula-se,
situa-se enquanto vai sendo.
Síntese:
aceitamos a dissimetria,
na surdina dos sufocados.


terça-feira, 19 de fevereiro de 2013 10 comentários

Zarabatana


As recordações que me emboscam,
nesta hora em que se afadiga a tarde,
fazem sua pontaria
– certeira –
na ferida da saudade.

Coisas ínfimas encerram
o tempo entre vírgulas
: a voragem portátil
de cantarolar melodias
baldias pelas ruas na volta
para casa, qualquer que fosse
                    (meu repertório de lascas
                    de outras cacofonias,
                    apurado em reiteradas performances solitárias);
o perfume fóssil da primeira namorada
                    (incógnita Lilith, contra quem
                    fiz colidir minha lógica simplória
                    de apaixonado pela paixão,
                    seguindo todos os ritos,
                    cartilha de procedimentos fátuos);
a biblioteca em gestação
na coleção de quadrinhos
                    (a afinidade com as letras
                    revelando-se contraponto
                    à falta de tato com tantas outras coisas);
o fosso escavado na afasia,
que deixava a nu o que eu não revelava
                     (minha porção de cifras
                     que edificaram aquele adolescente acanhado).

Hoje, erro outros pontos
e arremesso meu corpo
a novos escopos.

Mas a mira é a mesma.


quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013 10 comentários

Equívoco


Estar sempre preparado para o ataque
é tarefa de guepardos, não nossa.
Há mais do que esta precariedade
em que nos equilibramos na sucessão dos dias:
o que não entendemos,
o que nossas mãos não constroem,
o que nossas elucubrações não limitam.

Quero um mundo imaginário,
uma tentativa de escape,
uma eutopia.

Solipsismo, aqui e agora.

Pois dói saber que a luz pode ser medida em anos,
que meus pés estão arraigados ao lado da maçã de Newton,
que tantos planos se esboroam em espuma,
e que a rosa, semáforo delicado de vida,
vive num murchar irretorquível,
bateria que perde sua carga.

sábado, 9 de fevereiro de 2013 10 comentários

Diagnose

)
O pensamento em você é de uma saudade oca.
(

A familiaridade gera indiferença,
uma perda que ninguém pode
recuperar. Apesar de deitarmos

nus e juntos sob o mesmo
cobertor, eu acordarei sozinho.
Somos essas duas extremidades

que não se encaixam exatamente.
Eu poderia me explicar, mas então
você entenderia minha explicação,

não o que eu disse.
Estrangeiros no convívio,
aquilo que sempre cremos saber
 

é um erro de tradução
e ninguém quer dizer
o que realmente foi dito:

insatisfeitos, remotos um
do outro, tendo nada
o que mais dizer.


segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013 12 comentários

Instantâneos nesse mundo lambe-lambe

1.
Ruas congestionadas
de veículos exasperados e enfurecidos.
Um mundo de estrépito constante,
onde o eco do barulho do tráfego
ricocheteia nos prédios,
num urro cacofônico e ininterrupto,
numa incessante retroalimentação de ruídos.
Estática dos deuses.

2.
No darwinismo urbano da hora do rush,
eu me lanço num mundo cheio de quinas,
o coração em desalinho.
Transeuntes vagamente relevantes,
na sua indiferença vítrea de pessoas ocupadas,
passam por mim, sequer me notam.
Impenetráveis – nenhuma senha,
nenhuma palavra-chave.

Eu:
estou de visita e continuo sendo
uma sensação inconclusa.
Evitando essa fina desistência da vida,
eutanásia precocíssima,
subsisto em minutos instantes de satori,
no lado de dentro de um sorriso.


 
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