quarta-feira, 25 de maio de 2011 8 comentários

Coito incontínuo


As janelas se sufocam em cortinas. 
O turvo e tão tangível
tentáculo de sua nicotina
correndo hostil contra minha narina,
os lençóis embrulhando sua cintura e seios,
seu cabelo em desalinho.
Você avançou sobre meus vinte e poucos anos
como se não houvesse nenhum outro lugar
para procurar o que você buscava.
Agora, na volta de todas as coisas,
bumerangue kismet,
você inscreve linhas momentâneas
na linguagem do meu desejo,
como se nunca houvesse partido.


Já sou outro, 
você é quase uma incógnita.
Não há nada aqui que nos lembre quem fomos.
Estamos na contravenção dos fatos
: você, abandonada à sorte
de um relacionamento fracassado;
eu, consolidando posições em outro peito.
Eu, que selei promessa
na infância contra o cigarro;
e você se esfumando em tabaco.
Você querendo reviver
um tempo que não tivemos;
eu, tão somente retendo
o tátil do momento que não
pude ter dez anos antes.
Nesse rufo de tambores,
o impronunciado é a desforra
contra o que não vivemos
e nossos corpos nus,
um plagiato de paixão.


                                                                               Foi só sexo.

E, contudo, foi mais.
Eu que já fui um
cavaleiro em busca do Graal
agora sou apenas
uma casca de armadura,
com um simulacro de incumbência
a me ditar os dias.
Você me deu a alforria
que eu não precisava.
Eu lhe dei um prazer transitório.
Essa história já deveria
ter sido contada em outras épocas,
ainda no tempo em que somente
minha língua havia em sua vulva.
A saliva secou há muito.
Ficou só a lia,
cicatriz amarga como fel.

 
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