segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011 10 comentários

Escopo


Pelo inferno e o céu de todo dia,
eu conservo somente um desejo:
transformar o tédio em poesia.

Que seja do que em mim silencia,
ou do que sinto, mas que não vejo –
o essencial é que haja a lexia.

(Se, tal como uma sala vazia,
a página frustrar-me o que almejo,
que, ao menos, não se faça a atonia).


terça-feira, 22 de fevereiro de 2011 10 comentários

Ouropel


Palavras em surdina, 
sem nenhuma intenção
de abandonar os espaços
em branco.

Arrasto comigo um texto
em busca de letras exatas
para ser urdido,
que me respire e me arrebate
no seu fôlego,
que me recorte
nos parágrafos do dia.

Este repertório de conversação:
verbo,
     lema,
         linguagem,
     cairel da língua,
palimpsestos
— nada me serve.

A logorréia da intranquilidade
avança sobre meus sigilos,
finca bandeiras,
desbrava. Chego atrasado
ao que quero falar.

Como uma árvore bonsai,
minha palavra é podada.
E silencia o escrito,
até dizer.

(Quando criança, eu repetia uma palavra
intermináveis vezes para mim mesmo,
até que seu sentido se perdesse com calma,
deixando exclusivamente a crosta de um som cavo.
Tente: muito é ótimo).


domingo, 13 de fevereiro de 2011 10 comentários

Avatar


O papel faz a súmula
do meu segredo
de vida: não
passo de uma
cópia não
autenticada
de mim mesmo.


sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011 10 comentários

Da solidão esferográfica


A noite caiu
violentamente
                                                sobre os ponteiros
                                                de minha sanidade.

A insônia
                                                                                                         me vigia,
                                                com aquela
perseverança
                                                que só
                                                ela. Eis que
                                                                                                             estou aqui
                                                provocando
                                                precisamente
a palavra
                                                que não
                                                vem.


segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011 10 comentários

Esse nadifúndio


Segunda-feira, imensa desolação a céu aberto.
Pondero a singeleza dos meus cadarços,
como se uma filosofia, uma vida noturna,
pudesse ser elaborada dali,
deixo as horas deslizarem, distraídas.

O calor da tarde dá morada à lentidão da alma.
Temos tempo.

Não que haja muito a dizer
: a nostalgia carcome, voraz,
as notícias de sempre.
As vitórias são as mesmas,
raquíticas, pele e osso.
De ser feliz não se sabe,
nem há notícias de Deus.
Morrer é fácil, não há justiça.
Horas de trégua ainda há,
quando se afiam as facas.
Entretanto, nada significa,
irrisório e medíocre.
Sob a ferida exposta da mais-valia,
concluímos: viver, na verdade,
é um jogo de desarmar.


domingo, 6 de fevereiro de 2011 10 comentários

Sobre a leitura do poema na canção

)
Para Martin Gore
(

Toda canção se inclina
na direção do seu silêncio.
Todo poema se prolonga
para sua última palavra.

Silêncio onde
repercutem os sons
que o prepararam.

Última palavra
que reverbera todas
as que a antecederam.

sábado, 5 de fevereiro de 2011 10 comentários

Post-Scriptum Blues



Recluso entre palavras,
acho-me desimportante.

Atrás de alguma conversa
nesse desacerto, tenho
depositado negligentemente
as palavras nos ninhos
sinápticos de quem me lê.

                                    Mas que raça de fênix é essa,
                                    cujas asas invisíveis não se agitam
                                    no pós-chama da leitura?

Bem sei que o silêncio
também é um idioma,
contudo eu me calco
nesse acaso de estar
sempre na iminência,
naquela espécie de véspera
: onde está seu comentário,
ainda que trivial, conciso, imposto?

Pois saiba que vivo
de me riscar
nesse arabesco de procuras,
contundente,
de quem se observa
no espelho por detrás.
E somente esse rastro no texto,
essa pegada fresca,
essa digital acesa
dá conta da vastidão do deserto
que a nós todos atravessa
: a tristeza das coisas,
o patético sempre presente
e à espreita logo abaixo da superfície da vida.

O que pretendo é somente
saber o que é
e o que não é
enquanto tropeço pelos dias.
Fico assim
à mercê de sua misericórdia,
indulgência, anistia –
meu indulto irrefragável.

Por que não diz palavra?


quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011 10 comentários

Sinopse dos dias


O truque, dizem,
é se deixar para trás,
disfarçar-se
no corpo inconsiderado
de um homem que sempre fui
destinado a ser
e acelerar minha pressa
em direção aos compromissos assumidos.
A testa expõe seus vincos,
como se a antever
o que virá:
a lemniscata do ponto de interrogação,
o adelgaçamento da paciência,
da fé,
da confiança.
Mas aqui onde
o dialeto não consiste
de palavras mas de horários,
não importa a presciência.
Há simplesmente algarismos.
Há simplesmente a agenda,
escondendo em seus cronogramas
o ano que se agrisalha
quotidianamente,
o para sempre que vamos
deixando escapar
a todo o momento.
E nós rogamos
para que os trincos
velem as amarguras,
que as portas fechadas
filtrem as decepções,
que no fim de cada dia
haja algo que tenha
feito sentido,
qualquer um.


quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011 10 comentários

Claustro


Isto é tudo o que preciso:
meus livros, discos, revistas.
Meu pequeno paraíso.
O meu mundo, assim, conciso,
onde eu sou protagonista.


terça-feira, 1 de fevereiro de 2011 10 comentários

Tradução simultânea


Perguntaram-me o que significa logomaquia. Segundo os léxicos, “logomaquia é um jogo de palavras, a arte de batalhar com palavras. Na filosofia, é a técnica de vencer nas discussões”.

Artimanhas da palavra, subterfúgio dos signos. Todo o encanto e a quimera a que são possíveis. A representação conveniente tanto de meu prazer quanto de meu ofício.

 
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